Me lembro bem daqueles dias frios e chuvosos que minha mãe me fazia dormir, deitava em minha cama ao meu lado me deixando segura em seus braços. contava histórias com sua voz reconfortante tentando me fazer dormir. Mas nunca funcionava: Lá estava eu, viva como nunca, com os olhos brilhando, uma parte de mim queria fecha-los, a outra queria escutar e observar, escutar as palavras soaves e quase silenciosas, tentando decifrar uma por uma. eu gostava mesmo era de ouvir as histórias, eram quase sempre diferentes, as vezes as mesmas, mas não me importava. As histórias se repetiam mas todas as vezes eram com outras palavras, com outra sonoridade e a minha percepção era sempre outra. Ao invés de me fazer dormir, minha mãe caía no sono com suas próprias palavras, e eu tão pequena e inocente encolhida em seus braços calorosos, paralisada para que ela não acordasse e não saísse de perto de mim, tinha medo de perde-la.
Me lembro também dos dias em que ajudava meu pai a grampear as milhares de provas dos seus alunos, como me sentia importante, me senti útil, por estar grampeando folhas rabiscadas e corrigidas, meu pai sentado ao meu lado bebendo seu café e ao mesmo tempo dando certos e errados em todas aquelas folhas. E eu olhava, curiosa, sem entender a necessidade daquilo tudo, achava bonito e elegante o modo com que meu pai fazia seu trabalho, tentava imita-lo, pegava o café e bebia junto à ele ao mesmo tempo em que grampeava as folhas sem nunca esquecer de manter a postura. Queria ser igual à ele. Me perguntavam na escola: O que você quer ser quando crescer? eu dizia: quero ser igual ao papai. então eles me perguntavam: E o que o seu pai faz? eu olhava, pensava, mas sempre dava a mesma resposta: "Ele é meu PAI." e abria um largo sorriso.
Eu ia grampeando todas as folhas, mas o melhor vinha no final. quando acabava tudo eu entregava nas mãos de meu pai todas aquelas folhas grampeadas, mostrando-lhe que havia terminado meu 'trabalho'. Então eu percebia a gratidão em seus olhos, um sorriso com vontade se espalhava em seu rosto, então eu sorria também e me sentia mais uma vez útil e importante.
A lembrança é um dos bens mais preciosos que uma pessoa pode ter. Com minhas lembranças consigo voltar no tempo. não voltar, mas voar pelo tempo. minhas lembranças refletem muito no que sou hoje. e a saudade daqueles momentos maravilhosos me apertam fortemente, a vontade de voltar no tempo para modificar algumas coisas que foram feitas as vezes também aumenta. mas é passageiro, a vontade de agir no passado passa, e a gente lembra com outras lembranças que o que foi feito se foi e que não pode ser mudado, e o pensamento de que temos que aproveitar a vida agora vem a nossa mente. E o desejo de viver o hoje é maior do que a vontade de reviver o que se passou.
Júlia Rena